segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Experimento fotográfico

Na página não numerada, estava um capítulo certeiro. Eduardo olhou com falso desdém, enquanto buscava detalhes técnicos, mantinha a cegueira do acaso. Pelo tato dos olhos, visava o cheiro da lâmina plástica. Deslocava os recorte da memória a um canto seguro; tanto quanto os sentidos, a emoção era crucial a compreensão de seu mundo.

Não era qualquer situação que o faria estremecer, mas com a tanto a dizer para si, achou um referencial naquele objeto de memória. Ponto irrecuperável: as cores não distinguiam os toques, as dimensões não eram dispostas, e mesmo a seu corpo penetrável, não reconhecia o garoto próprio da imagem.

Que clareza indigesta. Os corpos mesmos se estivessem a seu lado não seriam da mesma figura, não podia ignorar esse dado. Um fluxo já o inundava, respirou a se concentrar. Primeira premissa: é apenas um escopo visual de um instante manipulado pela objetiva. Quanto durou o recorte, 1/250, 1/500, 1/1000 segundos? Não cabe à porcentagem de um dia, quiçá de uma história. Não se convenceu.

Incrível que ali encontrava um fiapo de fio que se soltou de sua linha vital. Não sabia dar nós intocáveis. Com toda a retrospectiva que era convocado a realizar, esboçava, da análise, uma teoria: milisegundos transformam trabalho de milhares de horas.

Técnica, razão, inconsciência; hibridizou para ter sabedoria. Eduardo estava em uma fase perfeitamente racional e objetiva, nem suspeitava que o álbum estivesse naquela caixa de sapatos, procurada para que se organizasse seu conteúdo em pastas, por ordem alfabética. Sua máquina não requeria filme revelador, o que tornava seu novo experimento dentro da perspectiva atual:

Figura sobre a mesa branca, ângulo aéreo paralelo, enquadramento preenchido. Configuração automática: F2.8; 1/30; ISO 100; 680-420; flash desativado. Com essas pequenas alterações, ativaria novas sinapses neuronais, certamente modificaria o passado. A próxima visualização não deverá ser pensada conscientemente, mas sim ao acaso como agora. Calculou 5 como um número razoável: dias, meses ou décadas.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Festa da carne

Será a alegria algo além de uma estratégia para legitimar nosso desejo? Instantaneamente repercuto barulho, dissimulo alto astral, aceito sem questionamento as músicas que maestram nossas atitudes. Vejo como um prelúdio necessário para envolver-me ao ambiente. Vou encarnando em meu ser os requisitos ao êxito, entro na exata sintonia para atingir o objetivo.

Prossigo nessa maré abastecendo e alterando-me. Fujo de meus amigos que já parecem satisfeitos. Inicio a caça, conferindo empiricamente o melhor custo benefício do procedimento. Certeza de si mesmo, precisão de movimentos, dose exata de força bruto. Demasiadas vãs para que se atinja a verdadeira missão. Com um pouco mais de requinte nesta última empreitada, estabeleço o acordo que continuemos no devido ambiente propício.

40 minutos de espera no local combinado, e a carne não se faz presente. Consumo nesse tempo mais que o suficiente para que escape o controle de mim mesmo. Já não lembro mais por quantas bocas passei, nem a identidade sexual de cada uma delas. Encosto-me na mureta observando a rotação do asfalto.

Caminho sem sentir meus pés, rumo não definido. Repulsam-me tudo que aproximo. Em um carro amplificado de som, dois casais e uma menina segurando a garrafa – plástico translúcido ao fim. Cruzo seu olhar e lhe escapa a risada insinuante. Desvio, retorno. Já está mais que evidente.

Claramente feia. Claramente não me importo. É um mamífero em plenas capacidades reprodutivas.

Atravessamos a beira mar sob a meia luz da nascente. Entra em meu quarto, mal percebo somos nus. Atiçamos um ao outro com o sons ainda vivos da alegria; envolvo-me até estar atuante na celebração. Toco a cuíca com dois dedos, sinto a textura do pandeiro envolvido na palma de minhas mãos, e o movimento dos quadris segue o ritmo do samba.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Princípio da incerteza

Naturalmente pleno estando com ela. Na ausência, permanente interrogação. Vaga pela mente à caça de qualquer elemento que ressurja sua presença. São indícios do que fora verdade, esboços de sensações distanciadas, suspensas imagens fragmentárias que, ao se prenderem, dificultam o encaixe com outras. Figura sempre incompleta: por mais que receba fluxo não corrige a tendência em dissipar-se.

Ao telefone, se reacende, sempre íntegro à medida que sinta sua voz. À perda do contato, rompimento, com seu ser diminuindo a minuto, de minuto, em minuto. Novamente as memórias, planos, feitos, palavras, sentimentos, entram em cena buscando proximidade. Nunca sabe o que delas sairá, e embora muitas vezes consigam embalá-lo, em hora causam efeito colateral de criar monstros vultuosos – manchas na cristalidade da relação.

Necessário que ela ao menos saiba do sofrimento surgido da ausência. Ao vivo contato, se desvanece o martírio, como se as semanas vazias não lhe houvessem causado efeito algum. Em paz enquanto todo o vivido é presente.

Pretende dizer, esta visita é a hora. Por mais que tente, palavras sem a sensação corrente do que se expõe mostram uma ideia muito frágil do período em questão. Impossível que ela compreenda. Para se observar a posição exata de uma partícula, é preciso visualizá-la com luz, transferindo assim energia – fato que por si só já altera seu momento.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Coerência

Logo será pouco para o quase, assim quem sabe isso possa pleitear o vir a ser. Não é um caminho demarcado – o desconhecido futuro atrasa rumos. Então cada cálculo só trabalha em precisão, em que o posto seguinte, se correto, nunca se separa do antes. Deve se ter cuidado, materializar passos pautadamente refletidos: a segurança calculada do alcançável contra o desbravamento do frágil irreconhecível.

A sorte que ocorrer não deve ser esperada. Divagações sobre o destino não resolvem questões de praticidade. É possível ser meticuloso em cada ocupação de espaço. O tempo consegue ser claro havendo integridade. O toque do improvável estará a vista (sem exigir que se alcance). É cada etapa própria de consumação, sendo quBUM!

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Se é verdade que estamos sozinho, então por que não possuímos controle de nada?