segunda-feira, 30 de julho de 2012

Estágio horizonte – Vº

Então o caminho se fez presente. Uma linha. Uma linha torta. Uma linha torta e pedregosa. Uma linha torta e pedregosa e cheia de cumes e vales. Porém linha demarcada. Uma direção clara e única: sempre em frente.

Era a coisa mais maravilhosa que alguém poderia supor. Não importava o caminho. A glória era não possuir mais questões. O crucial era ter encontrado o exato sentido. Bastava trilhar, trilhar, e encaminhar todos os esforços para transpor os obstáculos.

É verdade que não havia um mapa dizendo aonde esse caminho ia dar exatamente... Mas isso já era exigir demais! Era o único percurso penetrável frente ao vazio de possibilidades, não podia desprezá-lo.

Entrou, passou, continuou, e uma hora começou a desconfiar. Trilhava um trajeto muito semelhante ao que havia vencido. A coincidência permanecia. Então não teve dúvidas da circularidade da rota.

Parou para refletir. Mais alguns passos ao início do processo e poderia escapar, tentar outro percurso. Só que seria desperdício demais. Se acostumou tanto ao caminho que as dificuldades já estavam previsíveis: não teria por que fugir.


segunda-feira, 23 de julho de 2012

Estágio horizonte – IVº


Faltava o último ingrediente para que o Dr Octágonus desse vida à sua mais nova criação. Era o ser perfeito, inerrável, inalcançável, inenarrável, ininteligível. Na verdade, o Dr Octágonus não precisou de trabalho intelectual nenhum para construir seu empreendimento. Sonhou com ele na exata noite em que decidiu vender todo seu laboratório para comprar uma casa na praia e viver de um kisque de água de coco. Estava redigindo freneticamente os anúncios item por item no Mercado Livre, início do nascer de sol, quando pegou no sono. Acordou dizendo eureca. As engrenagens e ingredientes estavam ao alcance, exceto uma certa loção que precisava buscar pessoalmente com uns índios do pantanal. Achou uma promoção imperdível de passagens aéreas para Campo Grande no Melhores Destinos. Atrasou um pouco seu cronograma, pois a incursão na tribo exigiu dois meses de rituais de boas vindas e despedida. Chegou ao laboratório, aplicou a loção, esperou mais duas semanas para a absorção do fluido frente a matéria. E finalmente, ah, o sonho de sua vida, aplicou o último toque.

-        Olá... acorde!

-        Mestre, mate-me.

-        O que?

-        Mate-me.

-        Por quê?

-        Não importa, mate-me.

-        Nunca, você é minha criação mais perfeita.

-        Pois é essa perfeição que me dá lucidez suficiente para lhe exigir: mate-me.

-        Isso é loucura.

-        Exijo: mate-me.

O Dr. Octágonus  aplicou em si próprio a injeção letal: preferia morrer a matar o outro. Seu filho o cremou, pois enterrar causaria uma degradação ambiental muito grande. Sozinho, sem o dom de aniquilar-se, passou a existência vagando em busca de seu fim.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Estágio horizonte – IIIº

Muita coisa cabe dentro da Unidade. Basta apenas sabermos explorar as subdivisisões. Escolhi entre o 0, 37645 e o 0,37648. Qualquer coisa entre eles era minha. E qualquer coisa, sendo número, era inteiro. Bastava aplicar o 6ª, 7º o milionésimo dígito. Eu tinha o infinito. E gastaria o infinito à vontade.

Estava desfrutando das possibilidades, até perceber a injustiça. Havia aquela que teve por direito uma faixa maior. 0,52963 a 0,52967. Não estava certo ela ter mais infinito que eu. Deveríamos todos ter a mesma possibilidade de explorar o inacabável.

Reclamei com o Sindicato. Atitude radical a deles. Democratizaram as faixas. Entraram todos, todos, com o mesmo intervalo. Me foi de direito o 0, 934563765 ao 0, 934563766.

Estou me adaptando à perda. Continuo tenho tudo. Mas tenho menos o tudo do todo.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Estágio horizonte – IIº

Então acabou. Dei graças a Deus por ter essa chance. Primeiro pensei: hum, estou livre. Depois pensei: hum... estou livre. Depois pensei: “hum”.

Antes era muito mais fácil. Foram milhões de anos em que a humanidade não resolveu a questão, quem sou eu pra resolver isso agora. O mais legal, na verdade, era a experimentação. Estava eu, sem ao menos ter uma câmera, pensando no diferente. O tempo sem compromisso. Nada de mais, o que já era muito. Podia reiniciar sem começar pelo início.

Mas calma, é preciso terminar por inteiro. Se bem que não tenho que deixar a coisa completamente fechada, pode-se explorar deixando um mínimo contato. Nunca se sabe o dia de amanhã: e se há algo que aprendi com isso tudo é que é preciso ser precavido.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Estágio horizonte – Iº

Uma vida cheia de outras vidas. Como não suportava nem a própria, as outras não passavam de indícios.

Sab...as...fal...q...mor...an...prof...ent...sol...linh...lua...

Porcentagens mínimas de algos. Carregava como forma de sentir menas culpa. Tudo bem equacionado: para que a força do toque não tirasse-o do chão.

Voar só pelos próprios impulsos. São demandas tão grandes de ascensão...não apele a emocional. Ah, se desse vós à pureza. Vida ou morte de uma vez.