segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Pequeno tratado sobre as almas distantes

Em virtude dos pegajosos caminhos visados ao apogeu da personalidade, surge comumente descompassos entre a cinética cotidiana e o magma substancial de constante movimento cíclico e orgânico nas vias intra corpóreas. As velocidades, quanto mais distintas, ocasionam perda de equilíbrio, arritmia generalizada, ofuscamentos, instabilidades moleculares e dança de dúvidas. Enquanto as causas originárias da anacronia só conseguem ser combatidas em específicos momentos, nos quais a singularidade pontual é atingida pela parada do tempo, métodos paliativas costumam ser utilizados, tanto à aproximação dos paradigmas quanto ao encobrimento da consciência sobre o abismo entre os pontos. Entretanto, pode-se chegar à excelência da resolução do conflito sem a necessidade de recorrer a reagentes materiais. Sendo a mente a desencadeadora de qualquer pendência, nela encontra-se permanentemente os átomos gênese dos processos de pequena morte. Cabe ao paciente – e é justamente nisso que se contém sua responsabilidade primordial no tratamento – reencontrar caminhos que excitem os átomos vitais, sobressaindo a energia do magma em relação à velocidade cinética.
 
...ou vivo te encontro em meu ser.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Poema para desconfortar o amigo

Se palavras não te movem
Se a si mesmo não se bastas
Se a mudança não te chama
Se da grama inventa a mata
Se do chão inventa o fim
Se a corrente não se arranca
Se da cama não se dorme

Então não tem mais jeito...


Vá e a reconquiste!! Homem!



***

Pacto:

Se estamos quase bem
Nossa amizade se atrapalha
Guri, que sempre estejamos
Um pouco fudidos da cara.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Luta

Eu busco, tento, questiono, repenso. Cedo – transformo – recrio – elaboro. {Experimento} {constato} {capacito} {manejo}. Minto... organizo... ofereço... refaço... Avanço> esforço> reforço> escrituro. Permito permeio pulverizo esvoaço. Acabo/ anulo/ aniquilo/ instauro. Acompanho: apanho: estudo: absorvo. Crio & elaboro & assumo & ornamento. Apalpo; amanso; escorro; escarro.

E as coisas vão se tornando cada vez mais óbvias.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Temores

Suzane está terrivelmente angustiada. É véspera de seu casamento, e seu cheff de cozinha particular, responsável pela confecção do bolo matrimonial, demitiu-se. Ela passou a manhã inteira atrás de outro cozinheiro, mas nenhum de escalão semelhante encontrava-se disponível. Teme a ruína de sua festa, os comentários maldosos alheios, a mancha em um dia sonhado como o melhor de sua vida.
 
Na mesma cidade, o coração de Álvaro disparou com uma notícia. A empresa em que trabalha necessita cortar gastos, e ele será demitido mês que vem. Foi na exata época em que comprou carro e computador a sua família, o que já o deixava preocupado com o aumento das contas. Teme o endividamento, a falta de emprego com salário digno, o esgotamento dos recursos para sustentar seus filhos novos.
 
Ao mesmo tempo, Luís chorou como há anos não fazia. Recebendo suas notas da faculdade, viu que terá que fazer prova final em uma matéria de seu curso de Engenharia Civil. Está no 3º ano, e pela primeira vez teve dificuldades na compreensão de uma disciplina. Teme a diminuição do seu Índice de Rendimento Acadêmico, o vexame que passará perante seus pais, o risco de não conseguir a planejada bolsa de intercâmbio no exterior.
 
Nesse mesmo dia, Karen acordou em estado de choque. Viu-se em um quarto de hospital, com terríveis dores nas genitálias, nos ossos da boca, além de escoriações sobre seu ventre. Lembrou-se de flashes da noite anterior, em que foi surpreendida por dois homens enquanto voltava do trabalho. Teme que as imagens não sumam de sua mente, o risco de uma gravidez, de doenças, o trauma que já se mostra insuperável.
 
Simultaneamente, Rogério sentiu o chão despencar. Soube da traição de sua namorada, lendo no celular dela mensagens em que combinava encontros escondidos com o ex. Estavam namorando há quase um ano e meio, e ele começava a pensar em noivado. Teme o retorno à solidão, o cansaço de se ter que buscar outro amor, seu ódio que lhe clama atitudes de vingança.
 
Ambos estão atônitos, percebendo profundas e dolorosas mudanças em suas vidas. Nenhum deles conseguirá dormir esta noite.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Deslucidações sobre novas paredes

Não era hora de abrir os olhos. E isso eu digo excomungando possíveis e imagináveis retóricas de elucidação. Sempre aquela velha história dos errros. Assim é provável uma nova concepção plana. Saindo detrás das lentes, parece reunião de fósseis.
 
Sinceramente, os dias se correspondem à medida que os cabalizo. Uma resposta intragável só se penetra por outros meios. É que a vontade de deitar se é sensível por terra. A hora de levantar compreende: diário sólido. A controvérsia outra vez à risca de frente.
 
Endorréico. Temperâmpto caduco. Recobri a sentença fossilínea dislépta. Ao cabo de outros nós, fermentados, ceando de ideias minadas.
 
Soar-se certo ainda que nefasto. A face calada é penal, conta de escapulários em trovas. E a noite realça capítulos em série de uma mesma ordem.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Apego

Indo contra o que eu sentia, levantei-me e saí de seu lado. Participava de forma muito desvinculada de sua dor a enxergando com meus olhos caídos. Sabia que ela precisava de mim, que só estando ali, sentados no meio fio, a protegia da irradiação que desmaculava sua consciência. Vi seu ex namorado há alguns metros e perguntei se poderia chamá-lo; ela disse acena, mas não chama ele não.
 
É claro que, por me sentir válido estando junto a ela, também a necessitava. Era um ser raro, precioso, que pela chance de cuidado me oferecia um encantador sentido de existência no instante. Mas nem por isso, nesse contexto além de mim, pude ignorar a sede. Vou comprar algo pra tomar, lhe disse. Estava em outro lugar que não minha cidade, fazendo o que sempre fazia. Então compreendi que a beleza seria justamente essa: fazendo a mesma coisa, em outro lugar, me acrescentava sem desvincular-me do que era.
 
Ofereci um gole, não aceitou. Com meu estômago vazio, algo em mim dava indício de transformação. Aplaudi uivando. Ela ainda sentada no meio fio, eu encostado no poste. Veio mais para o lado, afastando-se. 
 
E era como se, quanto mais eu bebesse, mais me afastasse dela. Porque fazendo o que sei, mais me aproximava de mim. E só me aproximava dela me abrindo para a vida. E me abrindo para a vida, eu estaria disposto ao perdão, à sensibilidade, à beleza que só emerge no desapego autêntico de si mesmo.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Inventário


258 dias, 18 horas e 27 minutos do primeiro beijo ao adeus por telefone.
527 horas e 51 minutos que passaram um com o outro nos 107 dias em que se encontraram.
Foram 43 as vezes em que dormiram juntos, com 37 tentativas de ato sexual e 31 delas efetivadas – o que resultou 27 orgasmos masculinos e 21 femininos, somando ao todo 1116 minutos de conjunção carnal.
2401 vezes em que as bocas se encontraram, culminando em 12309 segundos entre línguas sobrepostas nos 1119 toques entre elas.
120 vezes dito “te amo” pelo garoto e 99 vezes pela garota, com respostas de, respectivamente, 37 e 38 “eu também”, além de 28 e 15 “eu mais”.
5 te odeio pela parte feminina e 2 pela parte masculina.
2 casos extraconjugais do rapaz não descobertos e 3 da moça, sendo um deles descoberto.
4 momentos de choro do menino, que duraram no total 25 minutos, e 3 momentos da menina, que somaram 34 minutos.
2412 reais e 81 centavos gastos por ele nos instantes em que esteve com ela (22% de tudo ainda a ser pago), contra 1080 reais e 43 centavos gastos por ela (69% já quitados); com 49% do montante dos dois utilizados em 2 viagens que duraram juntas 7 dias e 6 noites.
5 presentes dado por ele e 2 recebidos.
56 horas, 23 minutos e 42 segundos com pelo menos uma das mãos coladas.

Restou ao garoto: um óculos escuros e uma calcinha esquecidas por ela, uma camiseta, um CD e lembranças a serem esquecidas.

Restou à garota: uma toalha de banho e uma bateria de celular esquecidas por ele, um livro, dois ursinhos e lembranças a serem esquecidas.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Estágio horizonte - Último grau

Desencanto. Teorias anuladas com experimentos. Evolução abortada. Planos ancestrais consumidos sem serem consumados.

Tivera-se opções: pesquisa-se – conjectura-se – escolhe-se – caminha-se – dificulta-se – amaldiçoa-se – invalida-se. Engano. Todos os passos em conjunto menores que o salto final.

Recomeço forçado. A força sobre si próprio para encarar o até então como nulo. Do zero ao zero: nova chance. Certo de que ter segurança, na verdade, é estar sempre disposto a recomeçar.

***

As sementes plantadas de hoje ainda não identificáveis. Semeia-se cego à relação entre agora e futuro – intátil busca eterna pela condução racional. Estágio só há no horizonte. O flagrante contato de solo em impulso à ascensão de infinito.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Estágio horizonte - VIIº

Ando sonhando com coisas simples. Uma kitinet no 5º andar, com quarto cozinha e banheiro, um gato e meu amor; trabalhando 6 horas por dia com qualquer coisa, de segunda a sexta-feira, perto de casa e indo de bicicleta; imerso em teatro livros discos vinho, cinema e kama sutra – e pelo menos um sol a cada quinzena, estrelas por semana e uma lua a cada mês com amigos de hora em hora. A maior ambição que consigo conceber seria uma casa no campo vivendo de subsistência.

Até isso, e para isso, só posso continuar captando os frágeis fragmentos deste mundo, obtendo a matéria bruta para ressignificá-la em signos paralelos. É ter em minha consciência o filtro que permita dar vazão a todos os impulsos mundanos que me atravessam. É participar da vida em pesquisação, entregando-se somente àquilo que nos mova sem contrapartida, com o interesse mesmo de ser capaz de nos mover.

Então chego ao ponto em que, sabendo o que me amplifica, participo entregue ao que me liberta: com toda a liberdade de escolher aquilo pelo qual se quer estar preso. É estar ativamente neste mundo, à parte dele.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Estágio horizonte – VIº

Tic-tac. O relógio e a pílula. Parar e analisá-los. Horas observando-os a fio. Penetrando o fundo de suas almas. Conhecendo o segredo de suas mais íntimas entranhas.

Descodificá-los. Realçá-los e cindi-los. Alcançar o self. Dar visão e vazão a cada essência. Desocultar o inacessível a eles mesmos.

Tac-tic. Revisá-los, revirá-los. Descobrir a propriedade ao avesso. Experimentar suas antimatérias. Emanar as próprias contradições.

Cada movimento observado. Todo o possível esclarecido. Compreendido o orgânico e o etéreo que permitem ser o que são.
 
Cit-cat cat-cit. Possibilidade em manipular. Mas não é de interesse apoderá-los. Deixe-os que sejam. Agora um novo experimento. Um novo paradigma. Enfim a síntese, a reação.
 
Se eram eles quem incidiam sobre mim, direcionar minha influência sobre eles. Ser como eu sou. Reverter as dependências. Saber como se posicionam perante minha autonomia.
 
Dentro de instantes.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Estágio horizonte – Vº

Então o caminho se fez presente. Uma linha. Uma linha torta. Uma linha torta e pedregosa. Uma linha torta e pedregosa e cheia de cumes e vales. Porém linha demarcada. Uma direção clara e única: sempre em frente.

Era a coisa mais maravilhosa que alguém poderia supor. Não importava o caminho. A glória era não possuir mais questões. O crucial era ter encontrado o exato sentido. Bastava trilhar, trilhar, e encaminhar todos os esforços para transpor os obstáculos.

É verdade que não havia um mapa dizendo aonde esse caminho ia dar exatamente... Mas isso já era exigir demais! Era o único percurso penetrável frente ao vazio de possibilidades, não podia desprezá-lo.

Entrou, passou, continuou, e uma hora começou a desconfiar. Trilhava um trajeto muito semelhante ao que havia vencido. A coincidência permanecia. Então não teve dúvidas da circularidade da rota.

Parou para refletir. Mais alguns passos ao início do processo e poderia escapar, tentar outro percurso. Só que seria desperdício demais. Se acostumou tanto ao caminho que as dificuldades já estavam previsíveis: não teria por que fugir.


segunda-feira, 23 de julho de 2012

Estágio horizonte – IVº


Faltava o último ingrediente para que o Dr Octágonus desse vida à sua mais nova criação. Era o ser perfeito, inerrável, inalcançável, inenarrável, ininteligível. Na verdade, o Dr Octágonus não precisou de trabalho intelectual nenhum para construir seu empreendimento. Sonhou com ele na exata noite em que decidiu vender todo seu laboratório para comprar uma casa na praia e viver de um kisque de água de coco. Estava redigindo freneticamente os anúncios item por item no Mercado Livre, início do nascer de sol, quando pegou no sono. Acordou dizendo eureca. As engrenagens e ingredientes estavam ao alcance, exceto uma certa loção que precisava buscar pessoalmente com uns índios do pantanal. Achou uma promoção imperdível de passagens aéreas para Campo Grande no Melhores Destinos. Atrasou um pouco seu cronograma, pois a incursão na tribo exigiu dois meses de rituais de boas vindas e despedida. Chegou ao laboratório, aplicou a loção, esperou mais duas semanas para a absorção do fluido frente a matéria. E finalmente, ah, o sonho de sua vida, aplicou o último toque.

-        Olá... acorde!

-        Mestre, mate-me.

-        O que?

-        Mate-me.

-        Por quê?

-        Não importa, mate-me.

-        Nunca, você é minha criação mais perfeita.

-        Pois é essa perfeição que me dá lucidez suficiente para lhe exigir: mate-me.

-        Isso é loucura.

-        Exijo: mate-me.

O Dr. Octágonus  aplicou em si próprio a injeção letal: preferia morrer a matar o outro. Seu filho o cremou, pois enterrar causaria uma degradação ambiental muito grande. Sozinho, sem o dom de aniquilar-se, passou a existência vagando em busca de seu fim.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Estágio horizonte – IIIº

Muita coisa cabe dentro da Unidade. Basta apenas sabermos explorar as subdivisisões. Escolhi entre o 0, 37645 e o 0,37648. Qualquer coisa entre eles era minha. E qualquer coisa, sendo número, era inteiro. Bastava aplicar o 6ª, 7º o milionésimo dígito. Eu tinha o infinito. E gastaria o infinito à vontade.

Estava desfrutando das possibilidades, até perceber a injustiça. Havia aquela que teve por direito uma faixa maior. 0,52963 a 0,52967. Não estava certo ela ter mais infinito que eu. Deveríamos todos ter a mesma possibilidade de explorar o inacabável.

Reclamei com o Sindicato. Atitude radical a deles. Democratizaram as faixas. Entraram todos, todos, com o mesmo intervalo. Me foi de direito o 0, 934563765 ao 0, 934563766.

Estou me adaptando à perda. Continuo tenho tudo. Mas tenho menos o tudo do todo.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Estágio horizonte – IIº

Então acabou. Dei graças a Deus por ter essa chance. Primeiro pensei: hum, estou livre. Depois pensei: hum... estou livre. Depois pensei: “hum”.

Antes era muito mais fácil. Foram milhões de anos em que a humanidade não resolveu a questão, quem sou eu pra resolver isso agora. O mais legal, na verdade, era a experimentação. Estava eu, sem ao menos ter uma câmera, pensando no diferente. O tempo sem compromisso. Nada de mais, o que já era muito. Podia reiniciar sem começar pelo início.

Mas calma, é preciso terminar por inteiro. Se bem que não tenho que deixar a coisa completamente fechada, pode-se explorar deixando um mínimo contato. Nunca se sabe o dia de amanhã: e se há algo que aprendi com isso tudo é que é preciso ser precavido.

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Estágio horizonte – Iº

Uma vida cheia de outras vidas. Como não suportava nem a própria, as outras não passavam de indícios.

Sab...as...fal...q...mor...an...prof...ent...sol...linh...lua...

Porcentagens mínimas de algos. Carregava como forma de sentir menas culpa. Tudo bem equacionado: para que a força do toque não tirasse-o do chão.

Voar só pelos próprios impulsos. São demandas tão grandes de ascensão...não apele a emocional. Ah, se desse vós à pureza. Vida ou morte de uma vez.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Especulações sobre o texto simples

*Uma visão paralela às Especulações sobre o amor simples, de Luis Felipe Leprevost

se você pensa que as mulheres palavras
fazem comigo o que elas querem
está mais do que certa

já fiquei esquecido dentro de
palavras que eram freezers
já derreti em fogo brando na
palma da mão de epopeias sádicas
perito em dramaturgia, já fui
confundido com William Shakespeare
(Sonhos de uma noite de verão)

no segundo andar de
sobradinhos pré-fabricados da periferia
já arquitetei planos e
mais planos de escrita
já me meti entre livros com odores
dos quais nunca mais me livrei
parido nem sei quantas vezes
de palavras que eram eu

palavras que eram o diabo, o bicho
palavras que eram uma catedral
palavras que eram peixes de
águas profundas, escuras
palavras que eram o
pico mais alto do planeta
palavras cujo o texto não era feito de
papel e caneta, mas de lágrimas
outras com as quais você compunha com as
vísceras mais do que com a mente
palavras em quem a beleza era doença
em quem a doença se equiparava a Deus
palavras que não fluiam, choviam
que em cada sílaba continham uma reza de fé
palavras em quem você entrava como
entrasse na mais grossa areia
palavras com as quais sangrei a cada capítulo
palavras…

vocês palavras dão mais trabalho
do que lidar com as mulheres

segunda-feira, 4 de junho de 2012

1ª pessoa

Não quero lhe assustar com te amos. Nem me passar por inconsequentemente. Se melhor para nós. O freio de realidade. Eu o faço. Para igualar coração com razão. Eu diminuo. Minha loucura por você. Eu esqueço. Carrego o sofrimento comigo. Ponho minha máscara. Equaciono nosso astral. Cresceremos juntos. E um dia estarei livre a lhe transmitir tudo o que sinto.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Sujeito

O menino (e por isso ainda se compondo não homem, procurando atributos que lhe qualificassem ao patamar maduro, atravessava suas primeiras sedimentações de personalidade. Começava seu gradual afunilamento de consciência para fazer-se autônomo, captando fragmentos de tudo que julgasse promover transposição. Eram mosaicos de construções mundanas que se adequavam a um tipo próprio de essência que supunha ter. Precisava que ela crescesse, aflorasse, que sua consciência se expandisse com estímulos que despertasse e desse acréscimo ao que era próprio de sua natureza. Agarrava-se a tais característica, irradiava, projetava-as não com tanto orgulho, mas principalmente à criação de identidade. Até que sem perceber começou a rejeitar tudo o que viria contra seu projeto de crescimento. Não lhe era claro o que era ou não propenso a si, mas sem muitos critérios de auto decisão, determinava-se de acordo às pequenas diretrizes que havia absorvido, uma mescla de inteligências que se adequavam a seu contexto. Na verdade, pensava que o mínimo de consciência possuída já lhe era suficiente, precisando apenas explorar submergindo. Mas as respostas que possuía talvez não fossem o bastante às perguntas nascentes de incursos horizontais. Procurou retrair-se, adequar-se a seu conforto, refazer as questões de acordo com as respostas já adquiridas. Chegou a hora em que seu espaço de vivência tornou-se muito mais amplo e fresco, rompendo a linha de condução que estava sob seu controle) caiu.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Meia noite

Agora a pouco estive sozinha. E vali-me de meus próprios brinquedos. Projéteis parciais do viril monumento. Desacoplados do que não me preenche. Utilizo os simulacros. Como extensão de meu corpo próprio.

Controlei-os com a perícia de uma verdadeira mestra que me sou de direito. Edificante como a auréola em meu ânus. Seduzi-me de impulsos visuais. Desabrochando o desejo expoente – pela autonomia de me auto erigir –:

Climaxei preliminares, Introduzi saborosas malícias, Aniquilei fingimentos remotos, Sintetizei prazeres de seda, Satisfiz-me com a plenitude de ecos: Prosperei-me completa. Como um outro atingida em mim mesma. Dos prazeres de iguais à melhores.

Encerro extenuada. À procura de um adendo palpável. Frieza inerte em meus brinquedos.

A energia de prazer difundida se extinguindo na falta de alvo – apoteose acabada em si mesma. Um pleno corpo franco encarando o silêncio preciso.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

9 a forismos

Sozinho estava, cumprimentou-o:
- Beleza!
Sozinho desfez-se
Sozinho continuou.

As lágrimas são os meus motivos para, em pleno inverno, comprar uma laranjinha e me reidratar.

Extra! Extra!
Suicida fracassado se auto processa por tentativa de homicídio
ganha a causa
e é condenado à morte.

O ponto de virada do clipe está quando o herói, após derrotar todos os monstros e subir na torre mais alta do castelo, cobre a princesa que sente frio e beija sua testa. Depois cai fora.

Querer ou morrer, não há pronome em questão?

“O papel está morto” Caneta sem tinta.

E então, como num passe de mágica, todos os lugares do escuro castelo em que ele passou tornam-se floridos, o dragão transforma-se num cachorro, e a princesa pula a janela de seu quarto para acompanhá-lo. E morre na queda.

Não é por nada não
mas essa água com gás
mas essa lua minguante
não me comovem nem um pouco.

Escritor
Ser ao mesmo tempo fracassado e bem sucedido.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Impostura

Não há inspiração que supere a da melancolia. Nesta aura radial e envolvente, um mero abrir e fechar de janelas assume a significância de uma afronta, uma manipulação exterior que me provoca a percepção apurada. Nisso compreendo o finar do fluxo que invadiria minha criação, e é necessária uma atitude que retome minha aragem criativa.
  
- Com licença, diletos senhores.

Apenas um dos cinco companheiros se viram à minha demanda.
  
- Estava em minha mesa, aderindo aos meus sentidos, quando não pude reparar que...
  
Ruídos acobertantes.
 
- Huhum.
  
- Falta-me ar que refrigere os espíritos, se é que me entendem.
 
Palavras não reconfiguram matéria. Invado o espaço do grupo, resvalando e desabando cervejas. Minha mão ao esforço de reabrir as ventanas.
  

Despertando a este mundo, deparo-me aderente à calçada, sem o som de meus bolsos e um comichão deslumbrante de orelha. Algo em meu estômago impedindo a compostura ereta. Meu bloco de notas assegurado entre a blusa e a barriga.
  
Reli. Parecia bom. Algo incomodava. Encontrei Fernando com o vinho de encosto à árvore.
 
- Um sinônimo de fluxo, no desfecho do 1º parágrafo.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Um argumento a mais aos que acreditam que basta aceitar Jesus para ser salvo

Recolheu o lixo.
E era lindo.
Dormiu até tarde depois de assistir o filme do cachorro.
E era lindo.
Escreveu asneiras quando ficou sensível.
E era lindo.
Soltou um pum.
E era lindo.

Na verdade
Qualquer coisa feita pelo que é lindo
Será lindo

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Essência

A revolução do humor condiz com a configuração celeste. Acúmulos cinzentos em todo alcance dos olhos impedem o escape da carga de melancolia. Instantânea ao despertar dos olhos: uma mente acrítica e distraída que aceita o primeiro impulso que lhe é concedido.

É pouca a vontade de encarar o mundo sob essa atmosfera. As sombras lhe diminuem a vontade de voar – literalmente, um Congresso obrigatório em outro estado. Está seco lá fora, e essa ideia o movimenta. Encaminha sua manhã aos últimos preparativos de uma inédita experiência aérea.

O dia continua imutável após o almoço. Surge a mudança: trilha sonora irregular sobre um cinza cada vez mais escuro. Lâminas amadurecidas começam a despencar no instante em que o táxi o desembarca. Corre ao aeroporto carregando marcas que estigmatizam um ente estranho à condição do tempo.

30 minutos torrenciais atrasam o voo por segurança. Já seco, espera uma tragédia muito mais possível por sua presença. Se assenta, movimenta-se, pára, continua, passeiaVAI! súbito o joga para trás e perde o chão.

Vai chegando mais próximo das nuvens opressoras. É sua vingança. Encara-as, funde-se, perfura, supera. E para além disso é azul. Compreende: não há nuvens por cima delas. Azul. Para sempre assim enquanto dia.

O firmamento pretensamente neutro permite o trânsito irrestrito de sensações. Surgem perante o próprio ser, isento das incontroláveis inserções que encobertam. Está abraçado e liberto. Ali em cima não se está, ali em cima se é.

segunda-feira, 26 de março de 2012

15 Ordens sobre 1 Largo

Se realmente fossemos livres
não precisaríamos sair toda noite
à procura de bebida

-

A menina dos meus sonhos
é humilde, roqueira e alcoólatra
E não dá para outras pessoas além de mim

--

Aqui eu me sinto livre
Encontro a piazada, ouço um rock,
chapo sem gastar, encontro umas bucetas
Meu único cuidado é não perder o busão das 4
se não atraso para o trampo

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O babão me olha
com a cara torta
Aguentou muito nessa vida

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Vento sopra em nossas almas
Ouço o cheiro da canção
Cigarro e álcool

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4 horas da manhã. O rapaz cambaleando entra no china
bate no balcão com os punhos cerrados:
- Quero um leitinho com Toddy, porra!

Ele segue o conselho mas não perde a postura

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O velho dos dentes de piano
é competente em sua empreitada
- Agradece

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A gente só briga quando provocam
Avisamos pra ele não voltar
com aquela camiseta

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Aquela garota rebola
todos olham pra ela
comove as suas pernas
é impossível não pensar
E de tantos pouquíssimos podem
o mais forte, esperto, seguro
Ou então quem tem a sorte
de encontrá-la cozida e sozinha
(recomenda-se que este não volte
que a vista do guardião
está em todos os espaços)

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Procuro, procuro, escuro
qualquer coisa que me sobreviva
desperte alto mantenha de pé
obrigue os olhos abertos
Procuro, procuro, esmurro
só eu é que não me acho

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Rostos desfigurados
bebem cálices de sangue
O Guadalupe nos acolhe

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Quando amanhece esfria
Meu corpo já se acostuma
Ao frio do próximo dia

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Reconheço você!?
De dia, de tarde, de (uma) noite
Espere eu terminar a garrafa
Me encontre nas ruínas
Te apalparei
E só assim terei certeza

que todas vocês são iguais

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Venho pra esquecer
sonhos irreconhecíveis

Trago

Largo

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Quem formou este sangue?
Pode vir de tantos lugares...
Menos do coração.

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segunda-feira, 19 de março de 2012

Respostas

As atualizações ocorrem de forma muito inconstante em sua vida. Precisa lembrar-se de que é lembrando, inserindo senhas que abrem redes do seu predominante contato com o mundo. São portais de transição à roda infinita, forma de se pegar carona ao movimento sem rumo.

Ali os principais atos de sua vida são controlados. Por lá espera respostas. Respostas pingadas em tela. Respostas que não preveem sentido de mundo. Objetividade: tal dia, tal lugar, sua agenda; ou o alívio de poder ausentar-se. Tudo é preciso que o comuniquem.

É que o mundo lá fora é muito pouco organizado. Certeza registrada para validar deslocamentos. Passa 24 horas longe da rede, volta ansioso a saber o que possa ter perdido.

Abre as 5 abas. Várias insinuações. Nenhuma resposta. Tempo suspenso: precisa de um próximo passo. Migra entre páginas. Distraem-no os vídeos. F5 – embora o que aconteça surja automaticamente.

Nada direcionado a ele. Sensação de invalidez. Nesta velocidade, espera-se que a resposta surja antes das perguntas.

segunda-feira, 12 de março de 2012

Penitência

É a solidão. Não tem o que pensar, não há metafísica. É a solidão pura e simples de não ter ninguém a seu lado. Solidão bem mais profunda que o amor perdido. É a solidão de não ter ninguém para contar que está só.

Nesta solidão há um certo capricho. Comparada aos problemas do mundo, é uma dor vã. Aguda e vazia, imaterial. Um peso dobrado de se doer sozinho. É a vergonha por estar prostrado sem motivo.

Paliativa-se solidão em companhia. Mais cômodo é sofrer, refugiar-se da busca. Talvez crônica esta solidão: em diversas ocasiões entre seres insanável.

É a teimosia em considerar-se correto. Suportar o peso de preferir desinteressar-se do mundo. Ainda não há remédio a aniquilar esta solidão.

Livrar-se da dor é compartilhá-la. É altruísmo, esta solidão.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Descuido

Um dia, sabe, eu tive aquilo. Sim, ele sabe. O dia, talvez, estava além do que eu sabia. É que na hora a gente só quer saber de sentir a coisa sem nem perguntar. Vi só depois que não era assim, tão simples, não saber. Achei que estaria, sabendo muito, preparado para ter algum controle. Quando tive, não sabia que seria pra mim tão importante. Agora faz tanta falta que só quero saber quando sentirei de novo aquilo. Sei que é arriscado dizer que eu não sabia, mas tinha primeira que saber por que eu sabia. Se não, seria como se eu não soubesse, seria um rumo cego que eu tomaria, arriscava muito ser engano. Se você soubesse, meu intuito sempre foi a lealdade, fiz tudo para que a aquilo não se distasse do que podíamos aceitar. Era ao mesmo tempo divino e concebível, inexplicável que se soubesse assim, tão logo, o que seria. Pois era suportável no início que eu não soubesse. Mas logo me senti indigno de possuir algo sem saber o porquê. E não sabia nem por onde procurar a explicação. Somente precisava de algo que me convencesse a confiar no que sentia, mesmo sabendo que não seria puro se tentasse conhecer. Não tinha escolha, sabe, era questão de nunca mais querer me sentir indefeso sobre algo que me atingisse. E foi tamanho cuidado que acabou sem nem saber como. Talvez por não saber: simplesmente não pude suportar. Quem sabe um dia eu consiga estar límpido o suficiente para acreditar no indesvendável. Não quero mais saber. Eu tive aquilo, eu sei, de quem é a culpa.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Experimento fotográfico

Na página não numerada, estava um capítulo certeiro. Eduardo olhou com falso desdém, enquanto buscava detalhes técnicos, mantinha a cegueira do acaso. Pelo tato dos olhos, visava o cheiro da lâmina plástica. Deslocava os recorte da memória a um canto seguro; tanto quanto os sentidos, a emoção era crucial a compreensão de seu mundo.

Não era qualquer situação que o faria estremecer, mas com a tanto a dizer para si, achou um referencial naquele objeto de memória. Ponto irrecuperável: as cores não distinguiam os toques, as dimensões não eram dispostas, e mesmo a seu corpo penetrável, não reconhecia o garoto próprio da imagem.

Que clareza indigesta. Os corpos mesmos se estivessem a seu lado não seriam da mesma figura, não podia ignorar esse dado. Um fluxo já o inundava, respirou a se concentrar. Primeira premissa: é apenas um escopo visual de um instante manipulado pela objetiva. Quanto durou o recorte, 1/250, 1/500, 1/1000 segundos? Não cabe à porcentagem de um dia, quiçá de uma história. Não se convenceu.

Incrível que ali encontrava um fiapo de fio que se soltou de sua linha vital. Não sabia dar nós intocáveis. Com toda a retrospectiva que era convocado a realizar, esboçava, da análise, uma teoria: milisegundos transformam trabalho de milhares de horas.

Técnica, razão, inconsciência; hibridizou para ter sabedoria. Eduardo estava em uma fase perfeitamente racional e objetiva, nem suspeitava que o álbum estivesse naquela caixa de sapatos, procurada para que se organizasse seu conteúdo em pastas, por ordem alfabética. Sua máquina não requeria filme revelador, o que tornava seu novo experimento dentro da perspectiva atual:

Figura sobre a mesa branca, ângulo aéreo paralelo, enquadramento preenchido. Configuração automática: F2.8; 1/30; ISO 100; 680-420; flash desativado. Com essas pequenas alterações, ativaria novas sinapses neuronais, certamente modificaria o passado. A próxima visualização não deverá ser pensada conscientemente, mas sim ao acaso como agora. Calculou 5 como um número razoável: dias, meses ou décadas.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Festa da carne

Será a alegria algo além de uma estratégia para legitimar nosso desejo? Instantaneamente repercuto barulho, dissimulo alto astral, aceito sem questionamento as músicas que maestram nossas atitudes. Vejo como um prelúdio necessário para envolver-me ao ambiente. Vou encarnando em meu ser os requisitos ao êxito, entro na exata sintonia para atingir o objetivo.

Prossigo nessa maré abastecendo e alterando-me. Fujo de meus amigos que já parecem satisfeitos. Inicio a caça, conferindo empiricamente o melhor custo benefício do procedimento. Certeza de si mesmo, precisão de movimentos, dose exata de força bruto. Demasiadas vãs para que se atinja a verdadeira missão. Com um pouco mais de requinte nesta última empreitada, estabeleço o acordo que continuemos no devido ambiente propício.

40 minutos de espera no local combinado, e a carne não se faz presente. Consumo nesse tempo mais que o suficiente para que escape o controle de mim mesmo. Já não lembro mais por quantas bocas passei, nem a identidade sexual de cada uma delas. Encosto-me na mureta observando a rotação do asfalto.

Caminho sem sentir meus pés, rumo não definido. Repulsam-me tudo que aproximo. Em um carro amplificado de som, dois casais e uma menina segurando a garrafa – plástico translúcido ao fim. Cruzo seu olhar e lhe escapa a risada insinuante. Desvio, retorno. Já está mais que evidente.

Claramente feia. Claramente não me importo. É um mamífero em plenas capacidades reprodutivas.

Atravessamos a beira mar sob a meia luz da nascente. Entra em meu quarto, mal percebo somos nus. Atiçamos um ao outro com o sons ainda vivos da alegria; envolvo-me até estar atuante na celebração. Toco a cuíca com dois dedos, sinto a textura do pandeiro envolvido na palma de minhas mãos, e o movimento dos quadris segue o ritmo do samba.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Princípio da incerteza

Naturalmente pleno estando com ela. Na ausência, permanente interrogação. Vaga pela mente à caça de qualquer elemento que ressurja sua presença. São indícios do que fora verdade, esboços de sensações distanciadas, suspensas imagens fragmentárias que, ao se prenderem, dificultam o encaixe com outras. Figura sempre incompleta: por mais que receba fluxo não corrige a tendência em dissipar-se.

Ao telefone, se reacende, sempre íntegro à medida que sinta sua voz. À perda do contato, rompimento, com seu ser diminuindo a minuto, de minuto, em minuto. Novamente as memórias, planos, feitos, palavras, sentimentos, entram em cena buscando proximidade. Nunca sabe o que delas sairá, e embora muitas vezes consigam embalá-lo, em hora causam efeito colateral de criar monstros vultuosos – manchas na cristalidade da relação.

Necessário que ela ao menos saiba do sofrimento surgido da ausência. Ao vivo contato, se desvanece o martírio, como se as semanas vazias não lhe houvessem causado efeito algum. Em paz enquanto todo o vivido é presente.

Pretende dizer, esta visita é a hora. Por mais que tente, palavras sem a sensação corrente do que se expõe mostram uma ideia muito frágil do período em questão. Impossível que ela compreenda. Para se observar a posição exata de uma partícula, é preciso visualizá-la com luz, transferindo assim energia – fato que por si só já altera seu momento.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Coerência

Logo será pouco para o quase, assim quem sabe isso possa pleitear o vir a ser. Não é um caminho demarcado – o desconhecido futuro atrasa rumos. Então cada cálculo só trabalha em precisão, em que o posto seguinte, se correto, nunca se separa do antes. Deve se ter cuidado, materializar passos pautadamente refletidos: a segurança calculada do alcançável contra o desbravamento do frágil irreconhecível.

A sorte que ocorrer não deve ser esperada. Divagações sobre o destino não resolvem questões de praticidade. É possível ser meticuloso em cada ocupação de espaço. O tempo consegue ser claro havendo integridade. O toque do improvável estará a vista (sem exigir que se alcance). É cada etapa própria de consumação, sendo quBUM!

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Se é verdade que estamos sozinho, então por que não possuímos controle de nada?

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Escudo de plástico

Foram horas planejando detalhadamente tudo que poderia alegar a seu favor. Testou prós e contra de argumentos, variadas entonações vocais, possíveis respostas do oponente e a defesa sobre cada uma delas. Tinha todo o fato a seu favor, bastando direcioná-lo na razão para obter o que julgava de direito.
 
Era muito mais fácil quando tinha esse tempo para pensar minunciosamente no que dizer. Se dependesse de si, seria tudo linguagem escrita. Preferia resolver tudo por e-mail, meditando cada palavra. Incontáveis vezes frente a frente encontrando horas depois a resposta correta.

Agora era assim que precisava solucionar. Entrou à sala fingindo segurança – por dentro tal qual alguém que se declara. Começou da forma como planejou, mas nem precisou dar sequência: o outro já cônscio que deveria justiçá-lo.

Um pingo de decepção, preparara-se para o combate. Até melhor que resolvesse na calma. Ao apertarem as mãos, choque: a alfinetada sobre ele que fosse mais ligeiro na próxima vez.
 
Voltou remoendo essa pequena injuria que respondeu tão parcamente. Não teria outra oportunidade à réplica senão no pensamento. Resolveu o problema saindo-se com a moral rebaixada. Se acostumou tanto a raciocinar que não mais conseguia emanar impunemente aquilo que sentia de verdade.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Sonho

A um passo do abismo, faltava-lhe transpirar. Antes do limite visível, necessitava um finável sentir, a derradeira síntese, um suspiro dialógico que resolvesse sua etérica estadia ainda que a não solucionasse.

Já passava do ponto de decisão, mas com um amor oculto pela vida, intencionava manifestá-lo onde coubesse, preenchendo seres que permaneciam. Instintivamente abriu os braços, recebendo, fincado, uma energia desintegradora que cumpria o papel de reciclar. À sua frente, acostumava-se com a possibilidade do infinito, mirando-o e se convidando a uma inevitável intimidade, somado com orquestra de invisíveis ondas orgânicas tocando-lhe os tímpanos.

Procurava, assim, integrar-se de vez. A queda de seu corpo contra as rochas quebrando um casulo já sem vida: seria livre. Outra vez; havia certeza. Inspirou o ar e sentiu sua hora, a atitude de queda livre agora livre – o que sempre que aparentara o que nunca fora.

Com os pés sem raízes e o vento fazendo-lhe fúria, excomungou-se; e simultâneo estrondo derradeiro, nada muito distinto de acordar-se de um sonho.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

A versão século XXI da mensagem na carteira

A idade do moleque cresce muito menos que a idade do corpo. Ainda ele insiste em não controlar, e os sorrisinhos de canto de boca surgem em meio à confusão de trabalho. Com os amigos é adepto da mentira, confessando mês depois que já todos sabiam. Com a namorada é questão de atuar serissimamente, convencendo tão bem que até a si mesmo demonstra maturidade para o ser homem. Sozinho fica aí sim, totalmente solto, e apronta travessuras com a risadinha saindo mesmo fora do espelho.

Sua última traquinagem foi online. Com despertadas lembranças, rebuscou o blog que o embalava no tempo da fantasia. Ao topo uma postagem extravagante, totalmente ao encontro do que poderia ocorrer.

Então digitou o comentário.

O alter ego né? (r)hum(r)hum(r)hum(r)hum(r)hum de ar nasal e barriga trêmula. Pseudônimo de outras postagens (hirríííííí...). Ela sabe? Não sabe se sabe. Só sabe que ninguém sabe (e só poderiam saber em flagrante do desvelado). Mas se ela souber: que o comunique por códigos.

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segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Liquefação

Começou em um folhear líquido. Permaneceu jorrando, fluindo cristalino, e dele as palavras iniciaram a vaporização. Eram concretas enquanto instantaneidade; ao contato com o vento, pulverizavam-se expandindo o alcance até se diluírem sobre sua cabeça, com as partículas mais densas capturadas pela mente. Jorraram continuamente transbordando sua fonte enxuta. Agora cheia, comportava uma leve energia invisível e constante.

Mas com passar dos dias seu recipiente foi naturalmente se esvaindo. Quando necessitava requisitá-lo, havia pouco líquido a se beber, e a fonte se extinguia até o fim aparentemente irremediável de uma seca. As minipartículas verbais continuavam suspensas no ambiente, mas eram deveras imprevisíveis: aproximavam, desapareciam, permaneciam, e continuavam incontroláveis.

Ao momento crítico da escassez, era urgente que a sede se saciasse. Não havia mais nada a se beber, e o acúmulo volátil continuava cada vez mais distante, as palavras irreparavelmente inatingíveis. O que ainda sobrava provinha de outros sentidos – e na devida atenção a eles surgiram as primeiras garoas.

Elas provavam que não eram somente as palavras que compunham aquele combustível. Pelo memória tátil, imagética, atmosférica, atraiu as suspensas moléculas que, por ressonância, se aproximaram e foram condensando umas nas outras até o momento em que não cabiam mais nesse estado de comportamento. Precipitaram, com o líquido voltando a jorrar em sua fonte.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Profecia encarnada

Nada mais é intocável. Os estímulos emancipatórios talvez não sejam tão íntimos quanto se compreende. O familiar conforto assegurado prevê temor de intensidade não sentida. A cidade explorável fecha suas caras, ainda de precaução. O funcionamento sistêmico revela erros de essência e de conceito. Também as pessoas se esgotam de suas nascentes, cada qual imbuídas do nunca.

Até as lembranças, lacradamente absorvidas, dissolvem-se em transgênicas mutações – perda identitária induzindo rompimento.

Seus objetos construídos não lhe dizem mais respeito. Concebidos por serem eternos, estão isentos de domínio. Finalmente inexistem, esquecidos pelo criador, autônomos na procura de novos sentidos – parasitas enquanto ainda existem. Obras ineficazes de novos despertares internos.

Então cético, suspenso nas dúvidas. As fontes de minúsculas mutações provocadas por si mesmo morrem se não exploradas. Libertar para que ambos sobrevivam. Minimorfismos antes próprios, agora em mãos universais.